segunda-feira, 29 de outubro de 2012


A cultura popular na escola
Paulo Dias

Torna-se um imperativo cada vez maior nos meios educacionais brasileiros, em face das políticas de valorização da diversidade cultural, a inclusão de conteúdos  sobre culturas populares tradicionais como temas curriculares transversais. Nesse contexto, os produtos que constam no catálogo da Associação Cultural Cachuera! vêm preencher uma grande lacuna, ao oferecer informações pedagogicamente organizadas sobre as expressões da cultura popular, as quais integram uma importante parcela do conhecimento humano que vem sendo apartada dos currículos escolares : o das culturas da oralidade.

Entendemos que “oralidade” e “escola” são conceitos cuja aproximação tem sido problemática, uma vez que a escola historicamente se consolidou como um dos templos do saber fixado pela escrita, o saber letrado das camadas sociais hegemônicas, advindo da tradição culta européia-ocidental. Ao mesmo tempo, essa mesma escola rejeitava a cultura oral, própria dos povos ágrafos - aqueles que não tiveram necessidade, ou oportunidade histórica de desenvolver ou se servir da escrita, como é o caso da maioria das civilizações africanas, dos povos indígenas, ou ainda, do povo miscigenado brasileiro.

A cultura popular tradicional, produzida por camadas sociais economicamente desfavorecidas, tem sido lembrada na escola tão-somente por ocasião da Semana do Folclore, ou conforme representada na obra de autores nacionalistas como Gonçalves Dias ou modernistas como Mário de Andrade ou Guimarães Rosa. Assim como esses escritores, embora pertencentes a uma esfera de produção artística erudita, preocuparam-se com a configuração de uma estética genuinamente nacional , gestada a partir de formas e conteúdos da cultura ancestral do nosso povo, é urgente que a escola adote semelhante postura, agregando aos seus currículos, ao lado desses grandes artistas, aqueles que lhes inspiraram a obra: os artistas populares e suas comunidades.

As historiografias contemporâneas se voltam cada vez mais para as vozes excluídas do poder, para a experiência do homem comum, dos segmentos sociais marginalizados pela história dita “oficial”. Para as fontes não-escritas. A atual orientação ética para a aceitação e valorização das diferenças – culturais, sócio econômicas, raciais, de opção sexual – existentes entre os cidadãos nas sociedades humanas, na busca da consolidação do próprio conceito de cidadania, deve ter como ponto de partida a instituição escolar.

A escola é, portanto, o ambiente propício para a aprendizagem do respeito pelas culturas populares, pouco divulgadas na televisão (portanto diferentes daquilo que se tornou normal para os jovens), obtido a partir do conhecimento de suas formas de expressão materiais e imateriais, na complexidade de suas dimensões históricas, geográficas, sociais, artísticas, religiosas. Vencendo o preconceito com a luz  do conhecimento, é preciso formar um público jovem interessado nas suas próprias raízes  não envergonhado, mas orgulhoso delas, com espírito aberto o suficiente para redescobrir e valorizar, nas periferias das grandes cidades onde moram, as belezas ancestrais guardadas na memória de seus pais e avós.

Só assim a cultura popular poderá ser reconhecida e respeitada, visando alcançar a legitimidade de que hoje goza a cultura erudita, na escola ou fora dela. E abrindo caminho para que, um dia, o mestre popular  se torne mestre-escola.

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