A cultura popular na escola
Paulo Dias
Torna-se um imperativo cada vez maior nos meios educacionais brasileiros, em
face das políticas de valorização da diversidade cultural, a inclusão de
conteúdos sobre culturas populares tradicionais como temas curriculares
transversais. Nesse contexto, os produtos que constam no catálogo da Associação
Cultural Cachuera! vêm preencher uma grande lacuna, ao oferecer informações
pedagogicamente organizadas sobre as expressões da cultura popular, as quais
integram uma importante parcela do conhecimento humano que vem sendo apartada
dos currículos escolares : o das culturas da oralidade.
Entendemos que “oralidade” e “escola” são conceitos cuja aproximação tem sido
problemática, uma vez que a escola historicamente se consolidou como um dos
templos do saber fixado pela escrita, o saber letrado das camadas sociais
hegemônicas, advindo da tradição culta européia-ocidental. Ao mesmo tempo, essa
mesma escola rejeitava a cultura oral, própria dos povos ágrafos - aqueles que
não tiveram necessidade, ou oportunidade histórica de desenvolver ou se servir
da escrita, como é o caso da maioria das civilizações africanas, dos povos
indígenas, ou ainda, do povo miscigenado brasileiro.
A cultura popular tradicional, produzida por camadas sociais economicamente
desfavorecidas, tem sido lembrada na escola tão-somente por ocasião da Semana
do Folclore, ou conforme representada na obra de autores nacionalistas como
Gonçalves Dias ou modernistas como Mário de Andrade ou Guimarães Rosa. Assim
como esses escritores, embora pertencentes a uma esfera de produção artística
erudita, preocuparam-se com a configuração de uma estética genuinamente
nacional , gestada a partir de formas e conteúdos da cultura ancestral do nosso
povo, é urgente que a escola adote semelhante postura, agregando aos seus
currículos, ao lado desses grandes artistas, aqueles que lhes inspiraram a
obra: os artistas populares e suas comunidades.
As historiografias contemporâneas se voltam cada vez mais para as vozes
excluídas do poder, para a experiência do homem comum, dos segmentos sociais
marginalizados pela história dita “oficial”. Para as fontes não-escritas. A
atual orientação ética para a aceitação e valorização das diferenças –
culturais, sócio econômicas, raciais, de opção sexual – existentes entre os
cidadãos nas sociedades humanas, na busca da consolidação do próprio conceito
de cidadania, deve ter como ponto de partida a instituição escolar.
A escola é, portanto, o ambiente propício para a aprendizagem do respeito pelas
culturas populares, pouco divulgadas na televisão (portanto diferentes daquilo
que se tornou normal para os jovens), obtido a partir do conhecimento de suas
formas de expressão materiais e imateriais, na complexidade de suas dimensões
históricas, geográficas, sociais, artísticas, religiosas. Vencendo o
preconceito com a luz do conhecimento, é preciso formar um público jovem
interessado nas suas próprias raízes não envergonhado, mas orgulhoso delas,
com espírito aberto o suficiente para redescobrir e valorizar, nas periferias
das grandes cidades onde moram, as belezas ancestrais guardadas na memória de
seus pais e avós.
Só assim a cultura popular poderá ser reconhecida e respeitada, visando
alcançar a legitimidade de que hoje goza a cultura erudita, na escola ou fora
dela. E abrindo caminho para que, um dia, o mestre popular se torne
mestre-escola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário